3 (POESIA 1987-1994)

89 poemas

(Porto, 1985 - 1994)



1ª edições, 1989, 1991, 1994, esg.

2ª edição, Gótica, Lisboa, 2001, fora de mercado
capa de Rogério Petinga, a partir do óleo de Edward Hopper «House at Dusk», 1935
direcção literária de Maria da Piedade Ferreira



3ª edição
, in «Poesia Reunida», Quetzal, Lisboa, 2011, esg.
 

4ª edição, in «Poesia Reunida», Quetzal, Lisboa, 2023

 

 

§ 

 

Diário de Notícias, 08.07.01 

«Textos que viajam do quotidiano à "luz líquida" de um amor, da natureza ao estilhaço interior.» 

 

MANUEL DE FREITASExpresso, 25.08.01 

«João Luís Barreto Guimarães publicou há não muito tempo "Lugares Comuns", um excelente livro de "poemas em prosa". "3 (Poesia 1987-1994)", integrado na graficamente estimulante colecção de poesia da editora Gótica, vem agora reunir as anteriores obras do autor. Como vários críticos puderam já observar, João Guimarães destacou-se, entre outros aspectos, pela destreza quase obsessiva com que cultiva a arte do soneto (apenas dois dos poemas incluídos neste livro não têm os convencionais 14 versos). Não querendo incorrer numa leitura demasiado "formalista", haverá a sublinhar a visível sedução do autor pela materialidade do signo, mesmo no que isso possa ter de meramente lúdico (...). Outras preferências gráficas e sintácticas - passíveis, obviamente, de determinar, contaminar ou suspender o "sentido" - consistem no recurso a elipses, parêntesis e finais abruptos (...). Poder-se-ia dizer que estamos perante uma estética da imprecisão, à qual não será alheia a presença recorrente do vocábulo "algo" (...). Note-se, porém, que essa imprecisão assenta num núcleo lexical a que o poeta se tem mantido fiel e de que fazem parte "sol", "gato", "amigos", "riso". São essas, talvez, as palavras que nesta poesia melhor retêm ou reinventam "a sucessão dos dias" (...), assumindo-se como "pequenos refrães onde se constrói o efémero" (...). O autor tem, aliás, lucidez bastante para reconhecer que "não há oceanos a descobrir apenas: pequenas / águas" (...). A humildade, neste caso, traduz-se num misto de serenidade e de resignação, à imagem do que sucede em certos poemas de Larkin (autor por duas vezes citado): "há que aceitar as / coisas como são embora longe do sítio da razão" (...). Mas seria talvez apressado ou inoportuno falarmos de "felicidade" a propósito de alguém que reconhece que "há uma certa ingenuidade em tentar ser feliz" (...). Seja como for, a ignorância (ou um simulacro dela) pode revelar-se o melhor antídoto para a dor em poemas que se incumbem de dissipar "eventuais / porquês perante a real forma das coisas" (...). Daí resulta não uma tonalidade próxima da angústia ou da melancolia mas antes uma irónica compaixão pelo quotidiano, cuja poética talvez possa ser encontrada nos seguintes versos: "perder o lugar das coisas ganhar o / silêncio do sítio por elas desocupado" (...). Estamos, portanto, em presença de um "realismo" baço, desfocado, que resvala por vezes para lugares prosódicos e lexicais em tempos frequentados por António Franco Alexandre: "vens / caindo / pela dor / acomodando // nuas palavras / à ferida de ter / perdido. a face é / pequena para sentir // o que em nós sobrevive" (...). Falar de epigonismo seria, sem dúvida, excessivo. (...) Felizmente, são várias e predominantes as passagens em que esta escrita obstinadamente coloquial se consegue redimir dos seus frívolos pecados. Estou a pensar, sobretudo, na elegante concisão com que o humor do poeta se dá a ler: "a procura / é parte integrante do poema não pode ser / vendida separadamente" (...). Ou, ainda, na frequência com que se disseminam pelos textos imagens imprevistas do quotidiano, assentes no que à partida não passaria de um simples apontamento. Sirvam de exemplo a descrição "heraclitiana" de uma viagem de táxi ou a enternecida homenagem à Torre dos Clérigos (e à cidade do Porto) que encerra o livro (...). Haverá, ainda assim, momentos de insustentável leveza: "o terramoto de Lisboa foi em mil700 e / qualquer coisa e tu estás aí e não fazes nada (não / me abraças não me beijas não sorris:) então? espero" (...). Mas esta "leveza", em que alguns por certo verão um defeito, afirma-se quase paradoxalmente como a qualidade maior da escrita de João Luís Barreto Guimarães. De resto, não será a poesia portuguesa mais recente (com as habituais excepções) uma arte de atravessar leve, levemente, os dias e os livros?» 

 

PEDRO MEXIADiário de Notícias, 29.09.01 

«João Luís Barreto Guimarães (n. 1967) aparece com frequência, e com justiça, na lista dos poetas revelados na última década. (...) Convém desde já desfazer um certo equívoco que se pode gerar em torno dos poemas de Barreto Guimarães, o qual reside em tomar esta escrita como "light" (já lhe chamaram assim), uma espécie de poesia de circunstância, mais ou menos lúdica, mais ou menos "habilidosa" e esse ludismo, e apenas isso. Não que essa habilidade e esse ludismo não estejam presentes nos versos de JLBG; eles existem, mas apenas porque são os artifícios de que o poeta se socorre, como outros se valem da rima ou da mancha visual do poema na página. O trabalho principal de Barreto Guimarães anda à volta da forma soneto, mas de um soneto não rimado e que nem sempre se decide no 4x4x3x3 mais comum. O soneto é aqui um necessário vestígio formal numa poesia que pode parecer anárquica. Os poemas quase não têm pontuação, a não ser aquela que de certo modo modula ou transforma o discurso, como os parêntesis (utilizados para repetir, corrigir, ou exprimir apartes), e os dois pontos (menos uma demonstração do que a apresentação de um paradoxo). Desse modo, cada texto é um conjunto de afirmações simples sabotadas a cada passo por interrupções de sentido dentro do próprio poema. O que podia ser um discurso contínuo vê-se recortado de perguntas, enumerações, elipses, vozes, algarismos, mas também de preços, códigos, receitas, trocadilhos, adivinhas, erratas, sinais gráficos e toda a espécie de jogos formais. Há um poema que é uma chamada telefónica (...) que, por falta de moedas, nem chega ao fim; outro é uma velha máquina de escrever à qual já falta uma letra e que por isso faz desaparecer essa letra do próprio poema (o que não desagradaria a Georges Perec). O tom dos poemas é o de uma semi-seriedade, uma reflexão sobre os "lugares comuns" da existência em que a inquietação é a cada momento temperada pelo humor ou por inesperadas imagens poéticas (estas nem sempre imunes a um lirismo por vezes demasiado simples). (...) Como acontece com grande parte da poesia cheia de artifícios formais - basta pensar em e. e. cummings - há alguma vontade do autor em não cair de cabeça no "pathos" e como que imprimir ao poema a entoação, a incompletude e a divagação próprias do discurso oral (o que também quer dizer que JLBG é um autor muito propício à leitura em voz alta). Se o núcleo temático principal destes textos é a amizade, é porque a amizade é o conceito relacional mais vasto, porque na amizade está a nossa biografia; os amigos são, no sentido mais lato, os outros, e os poemas são a cada momento relatórios minuciosos e lacunares das nossas relações com os outros. Mesmo o amor, que aparece quase sempre como uma promessa nestes versos, é uma forma (transitória?) de amizade, e partilha da visão global que o autor tem do mundo: a alegria dos pequenos nadas de que são feitas as vidas e uma quase desilusão: "é muito/ difícil Senhor todos os dias vestir a/ melhor roupa de domingo" (...). A segunda parte de "Há Violinos na Tribo" chama-se "As Pistas", e não há senão pistas ao longo de "3", quer dizer, sinais equívocos do passado e do caminho a seguir. A visão minimalista desses sinais é quase sempre mais lúcida e pertinente do que qualquer visão de conjunto, a qual, diga-se de passagem, raramente é tentada ao longo deste volume. Por isso um livro pode intitular-se "Rua Trinta e Um de Fevereiro", uma data que não existe mas que, tal como é próprio do poético, podia existir. Não procurar, mas encontrar, eis o mote destes poemas. Não será arriscado pressentir nestes versos algumas lições bem digeridas da música pop destes últimos vinte anos: uma espécie de educação sentimental em fragmentos, que já não parte de uma visão coerente do mundo mas que precede por avanços e recuos, sempre em torno de algumas "migalhas filosóficas" de cariz emocional. Não é por acaso que o primeiro livro é dividido em "faces" e "lados" como os LP's de boa memória. Nem é por acaso a referência a Lloyd Cole, um mestre na escrita de canções (e cujas "lyricsBarreto Guimarães tem vindo a traduzir). A revisitação dessas canções é também, evidentemente, um acto de memória, mas a memória, tal como o futuro, não é um território sólido, e aparece apenas em lampejos (...). Música e memória aparecem como uma só entidade num poema em que o estado de um disco riscado pelo uso se transmite ao poema, cuja linguagem fica "riscada", aos saltos e repetida. Os poemas de JLBG são, em grande parte, poemas domésticos (sobretudo em "Este Lado Para Cima"), e conseguem apreender em cenas domésticas, com as arrumações, a pequena tristeza que carregamos (Larkin, citado em epígrafe: "Home is so sad") e a surpresa do que nos está (estará?) reservado. "3" tem alguns poemas nos quais a achado é a própria situação, como a nota de banco que nos volta às mãos, noutros o que prevalece é a felicidade verbal (...). A mistura entre o trivial e um lirismo carregado pode ser bem perigosa (...). Mas aqui o trivial não é apenas descritivo mas interrogativo, e o lirismo, mesmo quando é frustrado, é contido e não derramado. Apesar das habilidades formais de JLBG, esta não é uma poesia formalista, porque o mais conseguido "enjambement" está sempre lá para realçar uma poesia de emoções, e da grande partilha de emoções que é a amizade. (...) Entre o trivial e o poético há uma "fronteira fluida" que cabe à linguagem - aos jogos de linguagem - desvendar. É por isso que quando a certa altura se diz que a vida "tem o seu quê de técnica", o mesmo se pode dizer destes poemas, que resultam de grande trabalho para aparecerem assim simples e porventura acessíveis. Vale a pena terminar com a epígrafe final, tirada de um livro de João Miguel Fernandes Jorge: "O quotidiano/ é ainda um discurso (Rodrigues & Rodrigues Alfaiates)". Nem mais.» 

 

FERNANDO PINTO DO AMARALPúblico, 02.02.02 

«Aparecido em 1989 com "Há Violinos na Tribo", João Luís Barreto Guimarães (n. 1967) tem-se distinguido por uma poesia geralmente serena, mas por vezes capaz de subverter subtilmente o horizonte de expectativas do leitor, sobretudo graças a uma linguagem que (...) se abre a pequenas surpresas ou a súbitas revelações. Este volume - que reúne três livros publicados pelo autor entre 1989 e 1994 - vem agora permitir a releitura de uma obra, cujo maior mérito talvez consista na recuperação de um quotidiano disperso pelos habituais cenários urbanos nesta viragem de século (por exemplo os cafés do Porto), num tom tranquilo, denotando sempre uma certa ternura e um sentido de humor que relativiza as coisas e não leva muito a sério tudo o que nos rodeia. Assim, e apesar de reconhecer que "há uma certa ingenuidade em tentar ser feliz" (...), esta poesia não desiste de procurar algumas alegrias, que tanto podem disseminar-se ao nível dos pequenos acontecimentos de cada dia como, pelo contrário, concentrar-se na intensidade de emoções ocasionalmente mais fortes, desaguando então num lirismo voltado para a celebração do amor (...). Toda a escrita de J. Luís B. Guimarães pode considerar-se, nesse sentido, um percurso "dos olhos ao coração", embora o seu tom predominante seja o de uma suave ironia em face do mundo e das palavras que tentam dizê-lo - ironia aliás extensiva a certas realidades portuguesas contemporâneas, como se lê num poema escrito a respeito de uma nota de mil escudos, aliás muito actual, agora que se concretizou a chegada do euro (...).» 

 

JOSÉ RICARDO NUNES9 Poetas Para o Século XXI, Angelus Novus, Coimbra, 2002

« Tal como a maioria dos mais recentes autores – e de acordo com o que Pedro Mexia refere num artigo cujo título é, precisamente, "Poetas Portugueses de Agora" - João Luís Barreto Guimarães não tem tido um "ritmo de publicação muito constante". (...) Começaria por notar, nesses três livros, a insistência no poema de catorze versos, a clara opção formal pelo soneto. Todos os poemas em causa respeitam essa forma (vinte e oito no primeiro livro, trinta e um no segundo e trinta no terceiro, números que apontam para mais uma regularidade). (...) Este constante recurso à forma fixa do soneto, que à partida poderia constituir um espartilho limitador, abre, contudo, inúmeras possibilidades inventivas à escrita de João Luís Barreto Guimarães; na verdade, a forma fixa é dinamitada na sua rigidez pelo Autor, apostado em sabotar a própria ideia de forma e, como iremos ver, empenhado em afastar todos os constrangimentos impostos a partir de fora e que condicionem criatividade e liberdade. (...) Esta tendência é mais geral e vai no sentido da (des)formalização da escrita poética. Encontra também expressão noutro tipo de manifestações, algumas ainda com um carácter marcadamente visual, como por exemplo a reprodução de um caderno diário, a simulação do espaço das assinaturas de um contrato, a apresentação de uma relação de bens e respectivos valores ou um maior espaçamento entre palavras ou segmentos discursivos. (...) Outros processos reforçam uma intenção lúdica que aproxima a poesia do domínio do jogo, tais como a apresentação e resolução de enigmas ou o recurso à introdução de códigos ou notas explicativas. Dos três em referência, o livro "Rua Trinta e Um de Fevereiro" é talvez aquele onde estes processos ocorrem em maior frequência (...). Não se trata de processos gratuitos. Excepção feita a uma talvez exagerada utilização dos parêntesis na composição de "palavras duplas", que pouco acrescenta, em regra tais processos não surgem desligados de um sentido que se visa a propor. Realçaria, por exemplo, num poema de "Este Lado Para Cima" (...), a desaparição da letra e da tecla "b", associada ao sentido de perda ou esvaziamento para que o poema me parece remeter, ou as repetições que ocorrem na secção final do primeiro poema desse livro, na sua relação com a passagem do tempo e os seus ciclos naturais a que correspondem as estações do ano (...). Outra das características destes versos de João Luís Barreto Guimarães consiste na multiplicação de linhas discursivas. Diversos fios discursivos coexistem no mesmo texto, o que é por vezes conseguido através do uso do parêntesis, o qual permite intercalar novas linhas discursivas na que é iniciada com o começo do poema. Essa coexistência é também atingida através da utilização de segmentos que se tornam comuns e funcionam como elos de ligação. Os textos são, então, resultado da justaposição ou articulação de pequenos blocos com carácter mais fragmentário. Uma apurada e constante utilização do enjambement permite, ainda, acentuar a indeterminação e ambiguidade resultante da interpenetração dos diversos planos discursivos. Ao Leitor cabe demarcar ou constituir os diversos fios discursivos que no poema se articulam. A predominante utilização de minúsculas e um uso arrítmico da pontuação, que muitas vezes não cumpre as expectativas do Leitor, contribuem também para a indeterminação e ambiguidade do discurso poético. (...) Revelando-se importante e merecendo o devido destaque, não é, todavia, esta componente formal aquilo que mais importa reter da poesia de João Luís Barreto Guimarães. Ela vale, sobretudo, pelo desafio, pelas experiências que convoca e com as quais se confrontam as nossas pequenas "certezas". Neste contexto, é possível detectar um percurso onde, tendencialmente, o plano de conjunto - abstracto, distanciado, expectante - vai aos poucos dando lugar de destaque ao grande-plano ou ao plano de pormenor que procura coisas concretas que estão próximas de nós e nos interpelam. A poesia de João Luís Barreto Guimarães desaloja-nos dos lugares seguros onde convivemos e retira-nos uma base de sustentação erigida a partir de aparências e de factos que se supõe evidentes. Há que ter presente, em primeiro lugar, a estrutura predominantemente narrativa dos poemas. (...) [É] visível que nos encontramos face a pequenas histórias, na sua maioria centradas em acontecimentos triviais e quotidianos a partir dos quais se desenrola uma existência. Trata-se de uma poesia dura e que deliberadamente se acerca do prosaico, tanto pelo seu objecto quanto pela sua delineação formal. As marcas evidentes de coloquialidade são ainda mais um apelo ao leitor. Em regra, o quotidiano dessas histórias é amargo e pesado, reconhecendo-se que "edificamos barreiras nos dias" (...), assim se inviabilizando as existências. O quotidiano normaliza, tende a destruir as marcas de uma diferença que a palavra poética proporciona ou da qual é expressão (...). Muitos destes versos assumem, aparentemente, uma derrota que se transforma em tristeza, em melancolia, face ao enorme peso do cenário, tão grande que não pode ser mudado. Perante tal constatação, que seria de molde a conduzir ao silêncio e ao vazio, vemos estes poemas levantando pequenos oásis, frágeis ilhas de existência que os "sentidos" sustentam, pois "este é o tempo dos / frutos tempo de se ser feliz nunca muito longe: do corpo" (...). A luta contra a inapelável passagem do tempo, que consuma o apagamento do sujeito e a sua entrega, faz-se precisamente através da revelação de acasos, como o do homem da portagem que pede "duzentos / escudos e uma flor" (...). Deles se desconhece as regras ("qual a regra do acaso?"), mas são - ainda que momentaneamente - os "pequenos refrães onde se constrói o efémero" (...), e permitem dar algum outro sentido à vida. Tal também é possível recorrendo à memória, indo buscar passadas experiências (...). Um dos pares de opostos mais visível nestes versos põe em confronto ilusão e verdade. As "certezas do mundo" (...) e "a manhã seguinte" (...) são vistas como a ilusão onde "habitamos" (...). Entre a certeza, sempre precária, e a ilusão, que impede de ver, estabelece-se uma luta sem tréguas na qual não há vencedores nem vencidos, mas apenas sobreviventes. As principais armas brandidas são o humor e a ironia, um riso imenso (...). Acrescente-se agora que os poemas de João Luís Barreto Guimarães são poemas com pessoas, com experiências de vida que podem e devem ser postas em comum. Nunca o poema, por mais que se auto-referencie ou os imperativos de ordem formal o façam centrar nele próprio, se afasta dessa intenção fundamental de comunicação e partilha onde também se vê à transparência um idealismo algo utópico que visa à "construção da Terra" (...). A referência à "Tribo", no título do primeiro livro publicado, demonstra desde logo que a solução de continuidade não é desejada e que o poeta se encontra no seio de uma comunidade. Nessa linha se enquadra o frequente apelo aos amigos, que são dispostos "pelas paredes do quarto" (...) e "sempre voltam trazendo a pressa consigo" (...). Como o Autor reconhece, "por aqui não há já quem acredite em ilhas desertas. / um dia passa chega outro e depois outro e sempre temos / alguma coisa a saber uns dos outros: alguma coisa" (...). É por isso igualmente uma poesia quente, que aposta nos homens - pois "[...] como / as garrafas devem ser despidos por dentro" (...), que aposta na amizade e nos lances de risco do amor (...). Mas não é somente por esta última via que a poesia de João Luís Barreto Guimarães acaba por ter um fundo positivo e se afirma como hipótese de redenção. É a palavra poética – onde o sonho e a imaginação se corporizam no que têm de mais efémero e, simultaneamente, de mais verdadeiro – a âncora de um princípio de realidade que supera o asfixiante quotidiano e suas ilusões.» 

 

§