100 poemas escolhidos
(Porto, Leça da Palmeira, Venade e Torre da Medronheira, 1986-2018)
1ª edição, Quetzal, Lisboa, 2019
capa e fotografia de Rui Cartaxo Rodrigues
direcção literária de Francisco José Viegas
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JOSÉ MÁRIO SILVA, Expresso, 17.8.2019
O TEMPO AVANÇA POR SÍLABAS
«São cem poemas escolhidos pelo autor, a partir dos dez livros que publicou em 30 anos. Lúdica e inventiva, culta mas sobretudo muito atenta ao real, esta é uma escrita que faz rasantes ao que vida nos oferece de único, inesperado, essencial e impalpável, na voz de um nómada que diz: "É preciso percorrer os mapas / mais ao acaso."»
SÉRGIO ALMEIDA, Jornal de Notícias, 8.5.2019
A POESIA MORA AO LADO
- João Luís Barreto Guimarães revisita percurso de 30 anos em antologia
«São 30 anos de poesia
plasmados em 150 páginas e num número redondo: uma centena de poemas. Na
esmagadora maioria deles, confrontamos-nos com as infinitas possibilidades do
real, a vontade, quase obsessiva, de "escrever de dentro da vida",
convocando para o ato cada partícula do ser.
Do remoto "Há Violinos na Tribo" ao mais
próximo "Nómada", é todo um percurso o que João
Luís Barreto Guimarães (Porto, 1967) tem vindo a cumprir com raro
desembaraço, consubstanciado num reconhecimento crítico que já não se cinge ao
território nacional.
Mesmo que os escritos debutantes sejam uma pequena minoria dos poemas escolhidos - dos três primeiros livros apenas [12] textos deste período foram escolhidos -, já se vislumbram neles, estéticas ou opções formais à parte, a mesma devoção pelo grande teatro do mundo: "eis que tudo / quanto é sonho se torna real tudo quanto é / temporal ocorre agora dissipando eventuais / porquês perante a real forma da coisas", como escreveu em "chegar até onde a luz se põe sem querer", um dos [cinco] poemas do livro "Rua Trinta e Um de Fevereiro" (1991), incluídos na presente antologia. A certeza de que "a poesia está nas coisas / (pão quente) / destapa-a" não diminui a sua vertente reflexiva. Um os méritos maiores da sua escrita é o de conseguir extrair do quotidiano mais comum, tantas vezes associado apenas ao que é transitório e superficial, uma dimensão perene que não podemos deixar de considerar improvável. Essa vertente meditativa, que flui sem aparente esforço, vem bastas vezes acompanhada pela ironia, artifício de que se socorre com frequência sem que daí venham sinais de esgotamento: "Uma gota de café cai sobre o papel onde escrevo. // Acidente de trabalho". Ou no ainda mais telegráfico "23 de Maio": "Este fósforo corre risco de vida".
Neste diálogo ininterrupto com o leitor - por muito pessoais que sejam as elocubrações, têm uma universalidade que a torna identificável -, é curioso verificar o deslocamento progressivo da poesia de Barreto Guimarães na sua fase mais recente. Tanto em "Mediterrâneo" (2016) como em "Nómada" (2018), o global tem vindo a ganhar predominância sobre o local. Nada que signifique um atropelo da sua essência. O poeta passou apenas a lançar um olhar mais amplo sobre o que o rodeia.»
ISABEL LUCAS, Público / Ípsilon, 5.4.2019
CEM POEMAS E ALGUÉM QUE PRIMEIRO OLHA O
SEU UNIVERSO MAIS PRIVADO E DEPOIS AVANÇA PARA O MUNDO
«Passaram 30 anos desde a publicação de Há Violinos na Tribo, o livro de estreia de João Luís Barreto Guimarães (Porto, 1967). Nesse livro já era visível a ironia que se manteve como uma das marcas de uma escrita sobre o quotidiano. Primeiro, o quotidiano mais doméstico, seus objectos e rotinas, que depois se alargou ao do país para se tornar global e político num percurso de dez livros que o poeta releu de forma crítica. Dessa leitura, escolheu cem poemas, 50 dos primeiros sete livros, outros 50 dos últimos três, um aparente desequilíbrio numérico que tem uma razão: os livros mais recentes resultaram de um momento de paz na escrita - ou seja (...), tudo o que é 'periférico' ao acto criativo deixou de se intrometer e o poeta pode apenas escrever, enquanto exerce o seu outro ofício: a medicina.
O Tempo Avança por Sílabas (Quetzal) é quase uma autobiografia. Nela,
há um homem no seu tempo a olhar-se e ao que o rodeia, de forma irónica,
nostálgica; ele é alguém com um sentido de derrota que perdeu Deus no dia em
que perdeu o pai e que se ri, porque o absurdo vai dominando e que diz: "Tenho
uma atitude sobre o presente que não é de uma alegria total, porque isso
corresponderia a uma mentira."»
ANTÓNIO CARLOS CORTEZ, Jornal de Letras, 27.3.2019
MORAIS DA HISTÓRIA
«Releio um primeiríssimo texto deste livro que reúne cem poemas escolhidos por João Luís Barreto Guimarães (JLBG), forma de celebração de 30 anos da sua poesia. É um soneto: "sempre temos alguma coisa a aprender uns dos outros". Um verso inicial seguido de dois pontos, com encavalgamento, uma pergunta ("posso começar?") e versos nas quadras e nos tercetos marcados com novos sinais de pontuação (pontos finais a meio de versos, de novo os dois pontos), entrecortados por orações parentéticas que funcionam como apartes do sujeito, comentários, achegas. Um exemplo: "em Agosto o canto dos lábios fica / mais solto (diz-se: perde-se em falas facilmente) // mas por aqui já não há quem acredite em ilhas desertas." O que daqui se conclui é estarmos diante de um poeta que compreende a poesia na sua específica dimensão de linguagem e espaço de deflagração de imagens. O acento tónico desta poesia está - e isso o leitor pode confirmar ao ler estes cem poemas reunidos - no modo como ao partir da realidade o poema a refaz, ou reformula, em tintas que vão do amargor à melancolia e da melancolia à ironia, mas [sem] que o verso, a sintaxe, a frase, os elementos compositivos do texto se desleixem. A recuperação do vivido constrói-se no poema como possibilidade, hipótese de trabalho: o real de que se fala existe para ser reinterpretado por essas "nuas palavras" que podem também fixar-se em desenhos estróficos sugestivos. Começando a publicar-se em 1989, JLBG inscreve a sua poesia numa linhagem que, nos anos 90, passa por nomes como Luís Quintais ou Paulo José Miranda, por certa Inês Lourenço e algum Vasco Graça Moura (aquele que nessa década publica os definitivos títulos O Concerto Campestre (1993) e Uma Carta no Inverno (1997), este último fundamental no mapeamento poético de uma década em que a nossa poesia indaga a subjectividade lírica ora com aproximações heideggerianas, ora com reiterações baudelaireanas. Convém esclarecer: com Manuel Gusmão, uma poética de alegorização da escrita, com constantes derivações em que se faz a reanálise da História ou da historicidade literária e cultural dentro dos próprios poemas; com Nuno Júdice, Fiama ou Gastão Cruz, uma subjectividade fundada na inquirição verbal, mas agora com um olhar sobre as ruínas de um tempo de acaso e em que o sentido das palavras se eclipsa (Meditação sobre Ruínas, Cantos do Canto e As Pedras Negras são, a meio da década de 90 os livros mais impressionantes a esse respeito). Mas, de outras gerações mais novas, poderíamos lembrar Fernando Pinto do Amaral, Bernardo Pinto de Almeida ou algum Daniel Faria pelo que em todos há de inquieta exasperação amorosa (Amaral), metafísica (Faria) ou centrada nos absurdos de um quotidiano diluído e a que o poema quer dar espessura (Almeida). Na verdade, JLBG herdou todas estas tradições, ou caminhos, [e] colocou-se do lado mais inusitado de uma nova experimentação da palavra. Dos sonetos a outras construções mais recentes em que os versos se quebram de repente, ou se isolam lexemas que concentram a tese dos textos, o que se ergue é uma singular rede de motivos que existem em função mesma dessa linguagem heteróclita e, porém, clássica. A subversão do soneto é, aliás, sintoma evidente desse seu pessoal modo de ser contemporâneo olhando para o passado. Os tercetos primeiro, as quadras depois e o soneto tem de ser lido de outra forma, da última estrofe (a quadra final) para a tese que se encontra no terceto que abre um dada composição: "rodo a torneira da esquerda num curto / gesto aprendido aguardo de dedo em / riste que o mole: água vermelha. // o f(r)io jorra o seu frémito com quanta força a prendeu (vai fugindo pelo ralo / em liberdade condicionada) não consigo / imaginar quantos corpos já tocou o meu // pedaço de água [...]".
Poesia que percorre um diapasão múltiplo de formas, o poema em prosa é outro dos lugares que João Luís frequenta. No ano 2000, num momento de eclosão de uma deriva que se quis mentora de uma poesia outra, mais literal e em que o pacto entre autor e leitor se renovasse, anulando processos caros à função poética (metáfora, imagem, ambiguidade, trabalho ao nível dos significantes), o autor de Lugares Comuns reequacionava a sua obra. O poema em prosa parece estar no cômputo dos seus livros como sinal luminoso de quem, sendo essencialmente poeta, pudesse tocar outras teclas: a narrativa curta, o conto. É que, na verdade, os seus poemas em prosa não são o espaço de irrupção das imagens em convulsão como nos fez chegar Rimbaud e como, entre nós, deixou fixado o magistério de Luís Miguel Nava. São, de facto, narrativas, formas lineares de apresentação de histórias onde só no fim uma conclusão abrupta, alterando os dados iniciais de uma observação, confere a surpresa ("Uma gota de café desliza pela base da chávena e cai sobre o papel onde escrevo. / Acidente de trabalho."). Por vezes é o aforismo que dinamiza a escrita, espécie de frase final que conclui o que se narrou (leiam-se os poemas "20 de Junho" ou "23 de Maio").
De Rés-do-Chão (2003), passando por Luz Última (2006) [e] A Parte pelo Todo (2009), a obra de João Luís Barreto Guimarães evolui no sentido de um adensar de cenas retiradas da vida doméstica e da "tristeza contentinha" dos dias "pequenos charcos". Realista, é certo, é a cor da melancolia que vai trajando os textos do poeta e a figura que se projecta nas páginas é a de alguém que, a todo o instante, perdesse o olhar ingénuo de outras épocas. Um poema do livro de 2006, "Um nome", sintetiza o quadro desse eu deceptivo: "O nome que tu transportas é o nome / onde és tudo", e só a existência do nome faculta o significado. É talvez pouco para esse poeta que se senta à mesa e exercita o "jogo-do-não", a poesia - escrita "dentro da vida", como lemos em "Decepção à regra". Em livros mais recentes, Você está Aqui (2013), Mediterrâneo (2016) e Nómada (2018), é a imersão na diacronia da História que preocupa esse poeta viajante, deambulador. A Europa, o mundo, Brodskii, cidades como Dublin, Veneza, a chegada aos 40 anos e a outras décadas, tudo converge para que, nestes cem poemas, ciente do que é a poesia, o ato de escolher como quem exclui, excluir como quem entende e entender como quem conserva, seja o ato antológico por excelência.»
CARLOS VAZ MARQUES, TSF, 20.2.2019
LIVRO DO DIA - O Tempo Avança por Sílabas
PEDRO MEXIA, Expresso, 16.2.2019
VERDADE COMUM
«Tendo editado em 2011 a sua 'Poesia Reunida', João Luís Barreto Guimarães publicou desde então três coletâneas que se distinguem das anteriores. De modo que 'O Tempo Avança por Sílabas' é uma antologia particularmente útil que compreende dez livros e três núcleos mais ou menos nítidos. As obras iniciais - 'Há Violinos na Tribo’ (1989), 'Rua Trinta e Um de Fevereiro’ (1991) e 'Este Lado para Cima’ (1994) - introduziram coordenadas líricas e coordenadas lúdicas. Fossem quais fossem os objectos do poema, gatos, deuses, amores, o texto apresentava-se fracturado, com sonetos descompostos, interrogações, aglutinações, parêntesis, repetições, versos em escadinha, caracteres em falta como numa máquina de escrever estragada, coloquialismos, interrupções abruptas. Podíamos aproximar Barreto Guimarães de poetas lírico-lúdicos da sua geração como Jorge Sousa Braga e Adília Lopes, poetas para quem a poesia era uma continuação por outros meios da vida de todos os dias; mas também nos lembramos do americano E. E. Cummings, que gostava de ter lado a lado a emotividade e os processos desconstrutivos. Em qualquer caso, mesmo nesses poemas irónicos encontrávamos um subtexto meditativo, que se adensará em livros posteriores, mais melancólicos: "(...) acreditar nas leis do / pensamento como quem mais não pode do que / aceitar porque o homem é breve ainda para / se conseguir compreender. eis que tudo // quanto é sonho se torna real tudo quanto é / temporal ocorre adora dissipando eventuais / porquês perante a real forma das coisas".
'Lugares Comuns’ (2000), conjunto de poemas em prosa ou de entradas diarísticas, introduz uma segunda fase. É um livro sobre 'o idioma do Café', anotações sobre chávenas, cadeiras, manhãs, personagens. Recuperando o Café como local de observação da condição humana, o poeta presta homenagem a um lugar-comum que se foi progressivamente apagando, o Café como sítio onde os poemas se escrevem, à mão, em cadernos. Essa união consubstancial entre o humano e o poético continua em ’Rés-do-Chão’ (2003), poemas ao rés do quotidiano sobre a vida conjugal, doméstica. Tiques verbais, avarias, confusões, confortos, os vincos do lençol, a felicidade das compras, tudo é orgulhosamente 'comum' na matéria dos poemas, que não nos seus efeitos verbais trabalhados. E torna-se mais notória uma empatia, uma atenção aos outros, às vidas sofridas, aos males do mundo. 'Luz Última’ (2006) e 'A Parte pelo Todo’ (2009) trazem então um discurso mais denso, mais opaco, 'expressionista abstracto'. Os poemas dão conta de sítios sujos, pessoas desprezíveis, uma novidade nesta poesia que sempre se manteve distante da agressividade e da amargura. Mais graves, mais lentos, os poemas interessam-se pelo tempo que se escoa, o tempo que dura um poema, o tempo que dura uma vida. Instala-se com isso um sentimento elegíaco, que pode ser denotativo e triste (o funeral do pai, o pai vestido com o fato que levava aos funerais) ou alegórico e esperançoso (ultrapassar no trânsito uma carrinha funerária, ultrapassar a morte).
A partir de 'Você está Aqui’ (2013), os poemas assumem uma dimensão histórico-topográfica. Querem-se agora poemas do 'Grand Tour', de Roma e das ilhas gregas, das capitais europeias, dos túmulos dos poetas, dos quadros célebres em museus, das alusões clássicas, mas também dos quartos de hotel ou das bagagens perdidas. E usam tais imagens como 'ícones', partes de estátuas quebradas que nos permitem 'figurar tudo quanto desfigura' o tempo, das catástrofes históricas às agruras pessoais, nomeadamente as que chegam com a meia-idade. O que é o tempo? É um movimento cíclico, imóvel, imparável. Em ’Mediterrâneo’ (2016) evoca-se por isso "o mar de Ulisses", "(...) um mar que / não é passado / (porque o passado é presente) onde o / tempo passa lento porque avança parado". E em ’Nómada’ (2018), tudo volta ao princípio, a um artigo de fé do poeta, à 'verdade que existe / nas coisas comuns".»
VICENTE ARAGUAS, Nordesía, Diario de Ferrol / El Ideal Gallego, 10.2.2019
POETA VIAXEIRO DESDE O SITIO
«Descubrín a Barreto Guimarães a través da edición bilingüe do seu libro Mediterráneo, publicado por esa afoutada (e exquisita) editora hispanomexicana que se chama Vaso Roto. E lamentei, estando tan perto nosa, xeográfica e cordialmente, non telo albiscado antes. Porque se trata dun gran poeta (nado en Porto, en 1967, ¡que lonxe no tempo que me van quedando moitos dos bos escritores!) que combina o culturalismo, con cultura, cunha paixón viaxeira (ás veces reflectida nos poemas escritos sen saír do sitio, o que non ten porque ser un oxímoro) que se combina cunha retranca ou ironía do máis sabedora e sabida. Na que me lermbra, caprichos da memoria, tan labiríntica cando lle peta, a aquel poeta salmantino, Aníbal Núñez, morto cedo de máis (en 1987) mais que segue a gañar batallas despois daquela desaparición tan prematura. E non sei se Barreto coñece a Aníbal, non faría nada de máis en procuralo (caso de que o descoñeza). Pois ben, desde Mediterráneo, que tiven o pracer de pesentar en Madrid, veño segunido ao poeta do Porto con interese e proveito. E mira por onde recibo agora en edición coidadísima O tempo avança por sílabas (Quetzal Poesía, Lisboa, 2019), en puridade os “poemas escolhidos” o que non é pouco dicir, dunhas composicóns selectas xa de seu. E é que Barreto Guimarães é un porta que fai doado o difícil. Manexar uns poemas clarísimos con intelixencia abondo para lles procurar todas as voltas, facendo que o lector se dea reconstruido/ revisitalo neles. Falo do lector esixente, xa que logo, que é quen ha entrar neste libro; o que procure o consabido, o xatevín, mellor que se afaste deste banquete, que o seu é o pan reseso, con moito, a poesía de segunda mano ou de cunca para o almorzo, xa saben, esas frasesiñas asasinas, presuntamente poéticas. A poética de Barreto Guimarães, en cambio, nútrese dun concepto que pasado pola alquitara destila forza e moito poder. Poesía chea de sentido con moitas variantes léxicas e xogos de palabras para que o lector, brincallón ou non, dea brincado nestes poemas que acougan no cuarto, como en Almeida Garrett, ou mudan en viaxeiros, pero non porque veñan escritos “in situ” (iso para as guías de turismo) senón logo desa fonda reflexión que outorga o retorno. Aínda que sexa de Andalucía, como nese poema que me chama a atención pola familiaridade coa que o poeta despacha tortillas, revueltos e calamares; un poema que se titula “Pentecostés en la Taberna del Obispo”. Ora, a mín, amador eu tamén do fútbol (cal o poeta, presumo), un dos poemas que máis me prestan é o que reproduzo aquí, agora. Chámase “Quase” e di: “Figo toma o esférico a peito/ pousa-o à/ entrada da área/ pisa-o como o pé direito ante a/ biqueira esquerda/ (tem/ um adversário pela frente)/ finta-o e/ entra na área/ dribla em esforço e remata em arco e/ vai ao poste”. Delicado. Así o seu autor. Médico de profesión, por certo, tal o gran Miguel Torga.»
SÍLVIA SOUTO CUNHA, Visão, 7.2.2019
O TEMPO AVANÇA POR SÍLABAS
«Há uma efeméride a marcar o ritmo deste livro: 30 anos de vida literária, seja lá o que isso for para um poeta, mesmo que este seja um cirurgião de mãos afinadas durante o dia. E que escreva, sem esforço aparente, poemas que começam desacertadamente assim: 'Transporto comigo este dia como / a sola do sapato transporta uma / pastilha elástica. O poema vai sem medo (dispõe-se sobre o papel) (...).' Estas linhas iniciais pertencem a Prelúdio, um dos cem escolhidos por João Luís Barreto Guimarães (JLBG), de entre os dez livros publicados entre Há Violinos na Tribo (1989) e Nómada (2018), para arrumar na coletânea pessoal que é O Tempo Avança por Sílabas (...). A escolha de um poeta é sempre diferente da seleção feita por olhares alheios, atentos a outros e diferentes guarda-chuvas. Barreto Guimarães passeia à chuva, seguindo o seu particular ritmo, uma passada sempre a rasar a prosa, um estado de alma atmosférico e imbuído de ironia, tanto perante os 'tolos' como face à morte 'subitamente concreta'. Autor sempre atento à passagem do tempo, este volume recorda JLBG como um maratonista - 'a meus pés / outro infinito'. Um autor capaz de produzir pequenas epifanias, encontradas no quotidiano, no exercício da memória, no 'ver os outros passar', no desencanto, nos corredores de aulas, na própria ars poetica.»
JORGE REIS-SÁ, Prelo, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 25.1.2019
AUTORES QUE SÃO
« (...) É um poeta raro. Da circunstância. Do cuidado pela sílaba (...). Do cuidado pela dedicatória e por tudo o que é lateral e circunstancial ao verso. Porque o verso circunstancial é, para ele, a essência de um poema. É um «autor que é». Sabe que cada verso lhe salva a vida. É uma simpatia literarocêntrica, sem egoísmo nenhum. É um «autor que é» sem ser um autor como os que foram, depressivos, com a postura de quem entende a importância do que persegue. Talvez por ser médico – ele sabe que aqueles «escritores que não são tanto» talvez um dia ainda venham a ser. E ele só tem de ir aproximando a sua medicação em verso. (...)»
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