POESIA REUNIDA


 430 poemas

(Porto, Leça da Palmeira, Venade e Torre da Medronheira, 1985-2022) 

1ª edição, Quetzal, Lisboa, Abril 2023

capa de Rui Cartaxo Rodrigues, a partir de A ruela, de Johannes Vermeer
direcção literária de Francisco José Viegas

 

> encomendar o livro na Bertrandna Wookna Almedina ou na Fnac. 


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ABERTO TODOS OS DIAS

40 poemas
(Porto, Leça da Palmeira, Venade e Torre da Medronheira, 2020-2022) 

1ª edição, Quetzal, Lisboa, Janeiro 2023, esg.

capa de Rui Cartaxo Rodrigues, a partir de Vista de Delft, de Johannes Vermeer
direcção literária de Francisco José Viegas

2ª edição, Quetzal, Lisboa, Janeiro 2023

3ª edição, in «Poesia Reunida», Quetzal, Lisboa, Abril 2023

 

> entrevista TSF
> entrevista 
Rádio Renascença
> entrevista Antena 1

> encomendar o livro na Bertrandna Wookna Almedina ou na Fnac. 

 

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VAMBERTO FREITASAçoriano Oriental, 10.2.23 e Diário Insular, 28.2.23
MUITO MAIS DO QUE A POESIA DO QUOTIDIANO

“Escrever é / fazer existir o que antes não existia / como este fósforo maduro que agora seguro na mão / vai ser chama / já é cinza.”
João Luís Barreto GuimarãesAberto Todos Os Dias 

«Por certo que o poeta João Luís Barreto Guimarães tem sido publicamente muito elogiado nestas semanas recentes após ter recebido o Prémio Pessoa, 2022. Já era muito conhecido e apreciado no nosso país pelos mais atentos à grande literatura. A sua poesia tem sido também muito comentada ao longo dos anos pela crítica internacional, após traduções em várias línguas, alguns desses volumes premiados em Portugal, assim como nos Estados Unidos, Macedónia e Itália. Retiro toda esta informação da sua bibliografia de capa no seu mais recente livro, Aberto Todos Os Dias. A verdade é que na azáfama do dia e da leitura generalizada alguns de nós não chegámos às suas páginas até à chamada de atenção na nossa imprensa nacional logo após esta outra e recente distinção. Tratei de imediato colocar na minha estante alguns dos seus livros (começou a publicar em 1989 com Há Violinos na Tribo), os que encontrei nalgumas livrarias, quando já muitos outros os procuravam: O Tempo Avança por Sílabas  (antologia de 2019), Nómada e Movimento. Entraram bem na minha casa, pela originalidade das suas linguagens e pela forma continuada que cada poema toma, quase sem que o leitor se dê conta tanto do simbolismo que cada objeto, personagem ou olhar lhe provoca, a narrativa dos dias e dos momentos vividos e lembrados, os significados de uma vida que permanecem na memória e consciência de quem procura perceber um pouco mais o que à primeira vista parece apenas um incidente ou encontro banal, tudo o que geralmente estaria condenado ao esquecimento. A poesia de Aberto Todos Os Dias é como que um eloquente silêncio, um murmúrio que nunca mais nos deixa na liberdade de não pensar, na liberdade de simplesmente existir num vaivém de rotina e gestos que, só aparentemente, nada influem na nossa solidão, ou na companhia de outros seres significantes. Cada poema é de uma ironia a um tempo leve e dilacerante quando nos damos conta de que a nossa vida é, quase no seu todo, feita de nada mais do que estar tentativamente em paz enquanto seguramos a sanidade possível no tremor e incertezas constantes a cada minuto que passa. Uma mão cheia de coisas à espera de / acontecer. O copo / quase a / partir. / O prazo quase a acabar… 

A sequência de Aberto Todos Os Dias vem nomeada em secções (locus amoenus, beatus ille, tempus fugit, carpe diem) num andamento que nos relembra muito do que olhamos e não vemos, muito do que pensamos mas não retemos, muito da vida quotidiana entre os que nos rodeiam no trabalho ou no lazer momentâneo, até à viagem realizada ou imaginada com os chamamentos a outros lugares, a outros poetas, a outras vivências que diferem só nos seus fusos horários pelo mundo fora, cada geografia quase sempre ocupada num vazio próprio. João Luís Barreto Guimarães é considerado pela crítica como “poeta do quotidiano”, poeta das supostas pequenas coisas que nos seus versos tomam o brilho que não havíamos notado antes, e será também um poeta de grande alcance perante a História que todos vivemos, expressa ora numa metáfora, ora na menção de um único e reconhecido nome. A clareza das suas palavras fazem-nos lembrar um Robert Frost ante a beleza sem idade de uma árvore florida, ou um T. S. Eliot na sua poesia pós-terra erma, quando este vai ao encontro da sua própria pessoa e condição de vida. Barreto Guimarães é médico, mas só raramente o leitor se dá conta desse facto nesta poesia. O que acontece é que o mais ínfimo pormenor da sua observação de cada instante acaba num verso, uma vez mais, que nos transmite tudo o que passa a ser essencial à nossa empatia ou, pelo contrário, ao estranhamento e distanciamento perante o retrato pintado em palavras. Sair de si e caminhar para o mundo, ir ao encontro do outro nas mais diversas circunstâncias, vividas ou imaginadas, fazer que cada palavra se encaixe num canto poético, numa forma de balada filosófica que vale a pena memorizar e citar quando queremos saber um pouco mais de nós próprios. 

“Se amanhã / vires um miúdo na calçada portuguesa / (bicos dos pés no calcário / tentando evitar / basalto) impondo-se o desafio de não / poder pisar cor preta / já tens aí o / poema.” 

O uso de parêntesis é parte de um recurso técnico, muito comum nos poemas de João Luís Barreto Guimarães, como aliás já outros o tinham notado. É um modo, afirmam outros críticos, de um aparte que explica ou contextualiza um verso ou outro, ou o poema no seu todo. É ainda a habilidade literária de tornar cada verso uma narrativa, na recriação de uma “personagem”, esse pormenor que nos permite outra visualização, o tal olhar o momento agora poetizado. Abertos Todos Os Dias abre com uma retoma do livro Movimento que antecede a obra presente: “A margem do rio desenha-se / com luzes que bruxuleiam / quando caminhas contigo: é inquietação / o que sentes? / Vê se mudas isso em ti.” É um outro modo de dizer ao leitor que a narrativa tem outros inícios, que a continuidade não muda de forma de livro para livro, reforça a continuidade temática do autor: os dias e noites vividas, os instantes que marcam, o chamamento constante a outros poetas nacionais e estrangeiros, em menção direta, nas epígrafes, em alusões-outras – a luz lançada sobre as palavras. A clareza desta poesia esconde em si toda a complexidade interior sentida, percebida pelo poeta. É certo que outros escritores portugueses contemporâneos também cultivaram a arte de dizer o que para a maioria de nós tinha ficado esquecido, silenciado, o poder das pequenas coisas, dos momentos diários, o significado profundo que os nossos mais chegados têm para o nosso modo de ser e estar. Insista-se na literatura não só como um jogo de palavras e invenção pura, mas ainda como o espelho simultaneamente claro, distorcido, múltiplo, a imagem devolvida a qualquer ser humano no mais distante e escondido recôndito. A urbanidade humanizada tanto vê a criança a brincar aos pulos, como reconhece a dor e a alegria da sobrevivência dos marginalizados e oprimidos entre nós. 

O papel da poesia  – disse João Luís Barreto Guimarães a Valdemar Cruz numa entrevista ao Expresso pouco depois de receber o Prémio Pessoa  –  também é escrever sobre tantas coisas que nos passam ao lado ou que preferimos olhar para o lado quando acontecem. É o problema da indiferença e dos interesses que respondem mais às necessidades de quem dirige se manter naquela posição e enganar o povo com pão e circo. O papel da poesia é também escrever sobre o feio, sobre o horrível. A poesia não tem que ser bonita. Tem que ser harmónica, no sentido em que cada palavra transporta em si uma imagem e um som. O poema vai repintar uma certa realidade. Mas o poema pode terminar de uma forma disfórica. Pode ser feio. Pode ser uma cacofonia que custe dizer. Acho muito importante o poeta contemporâneo não ser autista da sua própria sociedade e achar que a poesia é meramente um divertimento, ou uma arte de salão, uma arte burguesa, que incumpre a sua função política, social e de resistência...”

Para mim, é bom ler isto, vindo de quem vem. Passada a euforia da poesia do Nada, arrogantemente académica, indecifrável na sua oca pretensiosidade, que mais parecia concorrer com o preenchimento de palavras cruzadas no jornal, sinalizando nada mais do que informação enciclopédica. Eis um regresso da arte, nas palavras acima citadas, também como resistência à desorientação dos diversos poderes que comandam as nossas sociedades, que se querem abertas, democráticas, decentes. A arte não tem de ser, assim mesmo, panfleto ideológico. Tem de ver o mosaico humano no seu todo, apontando o desvio arbitrário de cada quadro. A literatura contém em si o riso e o choro – a humanidade na sua contingência, a luz em “tempos escuros”, parafraseando a grande pensadora política e cultural que foi Hannah Arendt. Um professor meu dizia-nos numa faculdade americana: não há nada de desprezível em gostarmos de uma sinfonia de Beethoven e de uma canção dos Beatles. Só que temos de saber decifrar a diferença entre uma e outra composição, tudo no seu contexto próprio. Como na arte literária. 

 João Luís Barreto GuimarãesAberto Todos Os Dias, Lisboa Quetzal, 2023. A entrevista aqui citada vem na Revista do Expresso, intitulada “A caneta ou o bisturi/Prémio Pessoa 2022”, na edição de 30 de Dezembro, 2022, e conduzida por Valdemar Cruz, com fotos de Rui Duarte Silva

 

JOAQUIM MARGARIDOBlogue Erros meus, Má fortuna, Amor ardente, 1.2.23
LIVRO: "aberto todos os dias" 

«“Já repararam / no bote (pintado a preto e branco) / naquela curva do rio onde / a cidade chega ao fim / dançando quase / ao acaso a cinco ou seis metros da margem / (um remo para cada lado qual / petiz ao acordar) / o ocre vivo / do crepúsculo enchendo de cor / o cenário onde ninguém o navega / nem o reclama para si? / A garça / já.”
[poema “
Aquela garça ali”, de João Luís Barreto Guimarães]  

Doze livros depois de “Há Violinos na Tribo”, edição de autor de 1989, João Luís Barreto Guimarães volta a inquietar-nos com “aberto todos os dias”, a sua mais recente criação. O livro surge menos de um mês após a distinção com o Prémio Pessoa 2022 e nele o poeta regressa aos pequenos-nadas de que a vida é feita, olhando de forma atenta o seu (e nosso) quotidiano. A familiaridade que brota dos espaços, dos tempos, das situações, gera no leitor a maior das cumplicidades. Lúcido e preciso, sem dispensar a ironia, o olhar de João Luís Barreto Guimarães traz ao nosso encontro as imagens e os sons dos dias repartidos entre a prática médica, uma caminhada à beira-rio ou os momentos passados à mesa do café. A sua poesia convida-nos a ver a cidade que se afadiga para ir jantar a casa, os pequenos avanços que trazem sempre retrocessos, a maçã de Eva a pedir uma segunda dentada, o cheiro a peixe frito que sobe desde a cozinha, os enfermeiros exaustos que saem de mais um turno, um ministro que mentiu. A isto respondemos com um sorriso, certos de que o convite é tudo menos inocente. 

Sorrimos quando o poema se faz termo de utilização do livro, a pedir que seja lido e aceite. Ou quando começa a construir-se a partir do momento em que a página se vira sobre si. Ou, ainda, quando se explica, com calma, numa introdução à poesia. Faz-nos bem, o poema. Este poema de um minuto que nos leva a olhar o céu e a ver num relâmpago um electrocardiograma de Deus, nas unhas roídas luas que nascem dos dedos, no sol que passa exactamente por entre os gargalos das garrafas que estivemos a beber o solstício da amizade. Não conseguimos olhar para a poesia de João Luís Barreto Guimarães sem ver nela a vitalidade de Miguel Torga na sua relação com a terra, a musicalidade de Eugénio de Andrade na sua relação com a alma, a luminosidade de Sophia na sua relação com a vida. A diferença estará nas linhas, não aquelas com que o poema se cose, mas as que se aproximam ou se afastam de uma baleia que deu à praia sem vida, de um quarto de hora numa fatia de pizza ou de uma torneira que administra 30 gotas por minuto na boca do lavatório. Alguém tem de amar o vulgar.»

 

CRISTINA NOBREJornal de Leiria, 4.2.23
João Luís Barreto Guimarães (2023) aberto todos os dias OU poéticos reflexos na água
O autor recebeu o prémio Pessoa em 2022 e aberto todos os dias é o primeiro livro de poesia publicado depois dessa consagração 

«Quando abri o ano de 2022, neste jornal de província, com texto de opinião sobre movimento  (2020) de João Luís Barreto Guimarães, gravei-o na história literária com os dados bio e bibliográficos mínimos, acrescidos da referência às várias traduções e prémios que a sua obra poética tinha recebido. Movimentei-me entre um paradigma antigo, clássico, e outro mais recente, ligado à receção-canonização-comercialização como instrumentos para introduzir um ‘objeto da arte literária’ a quem o desconhece/ia. No prazo de um ano (vale a pena referir o(s) confinamento(s) ou todos diferentemente o(s) conhecemos?), o autor recebeu o prémio Pessoa em 2022 e aberto todos os dias é o primeiro livro de poesia publicado depois dessa consagração: (re)abre 2023 (embora, antes do índice final, o leitor seja informado que os poemas nele gravados foram “escritos entre 2020 e 2022 no Porto, Leça da Palmeira, Venade, Torre da Medronheira e em algumas cidades estrangeiras.”, opus cit., p. 75, o que pode baralhar a cronologiatoponímia clássica…).

Como leitora apaixonada de poesia, ando sempre à procura do livro único e, qualquer leitor, atento aos sinais, não pode deixar de interpretar nesse espectro de sentido/indício a epígrafe final, inscrita na p. 77, de Christopher ReidHe pursued a vision of wholeness by means of collage. Nem a da p. 11, retirada de movimento, que autoriza a ler este conjunto de poemas como resposta(s) às inquietações do próprio caminho. Todas as autobiografias poéticas se tecem dos textos acumulados/ preservados na memória da arte/vida…

O que mudou no trajeto? Os pilares de organização dos poemas passou das 7 partes para os 4 sustentáculos clássicos: locus amoenus  (conforto amoroso na paisagem ideal) | beatus ille  (afortunado desprendimento no campo horaciano) | tempus fugit  (fugacidade irreparável do tempo virgiliano ou a alimentação da natureza maternal?) | carpe diem  (aproveitamento horaciano do dia presente). Cada quarto com 10 poemas, numa reconhecível simetria capaz de acalmar inquietações desenhadas pelas luzes que bruxuleiam até uma ‘curva do rio’ (p. 73) onde as luzes na água/rio voltam – melancólica, ironicamente? – ao reencontro do sentir: “[…] uma agitação inquieta. Não / demores. Vem depressa. / Não sossego / se não te falo.” O corpo desta casa ergue-se com a magnitude da solidão do poema inaugural “Aqui” (p. 17), com o reconhecimento dos lugares em nós desde R. M. Rilke com Heirsein ist herrlisch e a língua, o esperanto, em que os humanos se podem entender. Viria a propósito perceber o ‘piscar de olhos’ ao tradutor, como fazedor dos possíveis e limitados esperantos sistematizados, mas nada me autoriza a fazê-lo. A não ser a perfeição da forma e o polimento das arestas: as 4 colunas são sustentadas por um poema em que o hic et nunc e a comunicação sem barreiras é o tempo do momento, até ao final, em que a intimidade e a presença/ausência (vice-versa?) de um tu garantem os pedaços necessários à completude… Porém, “Há uma mão-cheia de coisas à espera de / acontecer. […] / […] / […] A ordem / isso não sei.”(Coisas à espera de vez, p. 31) e “O poema era o / texto (o amor o pretexto […]” (Na chegada do Outono, p. 49).

O que o poeta sabe são as palavras de outros – tantos (Soderberg, p. 15; Ritsos, p. 29; Heaney, p. 33; Larkin, p. 34; Elytis, p. 47; Celan, p. 61…) – que o atravessam e o distinguem dos que passam ao largo (“Ele fazia poemas.”, p. 22), o que é mais do que ler ou ‘apenas viver a sua vida’, por isso está sempre “de dentro do poema)” (p. 43), celebrando a leitura enigmática da poesia e do tempo na mãe natureza, reconhecendo “o eco [que] fala as / suas línguas.” (p. 56), trazendo ‘o que é feio’ (p. 63) para o poema, disponível para o mundo, “Como / quem ergue a verdade com a luva / da linguagem.” (Aberto todos os dias, p. 71). Em fuga ao renascimento, o holandês Vermeer (durante tantos dias esquecido e ignorado…) veste esta quarentena de poemas com Vista de Delft, a ilusão urbana entre as águas que correm e transportam as melancolias e ironias poéticas para os cirúrgicos (e narcísicos?) mares de outras misteriosas criações: reflexos de coração aberto à fragilidade de todos os dias…»

 

SÉRGIO ALMEIDA, Jornal de Notícias, 1.2.23
TEREMOS SEMPRE A PULSÃO DA VIDA
Novo livro de João Luís Barreto Guimarães é uma celebração reflexiva do quotidiano

"Durante meses a fio, no período inicial em que a covid-19 toou de assalto a vida de todos nós, João Luís Barreto Guimarães foi incapaz de escrever um poema sequer. Percebe-se o bloqueio: autor de uma poesia erigida sob o milagre contínuo da existência, ainda que atravessado por constantes dúvidas e inquietações, o recente Prémio Pessoa sentiu-se subitamente tolhido pela antítese da vida que a pandemia trouxe. No lugar da liberdade houve o(s) confinamento(s); em vez da esperança, apenas a contagem sibilina de vítimas, como se se tratasse de uma soma contabilística.

Se a dita normalidade demorou quase dois anos a voltar a instalar-se, Barreto Guimarães não precisou, felizmente, de tanto tempo para voltar ao estado poético habitual.

O lento recomeço de uma sociedade avessa à pausa é o fio condutor de "Aberto todos os dias", uma breve mas fecunda jornada poética pela miríade de encantos do quotidiano, dos quais estivemos privados à força durante demasiado tempo.

É, assim, neste vagaroso regresso à vida que se detém o olhar do poeta, capaz de se deter em objectos ou paisagens esquecíeis na sua aparência. Mas, como escreve no belíssimo "O incêndio", "alguém tem de amar o banal." Mesmo que sejam "luas que nascem dos dedos quando se roem as unhas" ou "o cheiro a peixe frito que sobe desde a cozinha".

Afinal, depois do longo período de privações, difícil mesmo é cansarmo-nos do "mundo aberto lá fora", que se espraia com langor, indiferente aos nossos estados de alma. É na magnificência dos detalhes que reside a magnificência de muitos destes poemas, em que a apologia do comum não exclui  - antes reforça - a convicção do milagre de existir.

Para que "nem um só dia (seja) desperdiçado", só necessitamos de "estar à disposição do mundo". Por toda a parte "há uma mão-cheia de coisas à espera de acontecer", do "prazo quase a acabar" ao "vermelho do semáforo (que reteve um par de vidas) a instantes de ceder a sua vez à cor verde."

A celebração reflexiva do quotidiano operada neste conjunto de poemas não é linear ou sequer uniforme. Bastas vezes a denúncia se acerca destes escritos, seja para dar forma à discriminação para com os mais velhos - bem evidente no combate à pandemia - ou a invocar a mediocridade, através da recorrente figura do execrável sr. Lopes."

 

JOSÉ MÁRIO SILVAExpresso, 27.1.23
ABERTO TODOS OS DIAS

"Alguém tem de amar / o banal. Alguém tem de tratar disso." Eis uma espécie de caderno de encargos - atenção máxima às coisas mínimas, com fugidio lirismo - a que João Luís Barreto Guimarães se entrega com júbilo, subtileza, ironia e sentido lúdico (sem esquecer a habitual abundância de parêntesis, e a costumeira aparição do Sr. Lopes) num livro frugal e feliz, o primeiro que publica depois de lhe ter sido atribuído no final de 2022, o Prémio Pessoa."

 

LUÍS RICARDO DUARTE, Visão - Magazine, 19.1.23
À disposição do mundo

«Não é preciso estar nomeada, direta ou indiretamente, para a pandemia de Covid-19 atravessar o novo livro de poemas de João Luís Barreto Guimarães. O contentamento que percorre estes poemas será facilmente reconhecido pelo leitor como seu. É a alegria de estar de regresso ao café onde se escreve um poema, de se abeirar da margem do rio, de lhe ver as gaivotas e embarcações, de poder afirmar, sem constrangimentos, os pequenos gestos do dia a dia. Mas Aberto Todos os Dias, que se publica na sequência da atribuição do Prémio Pessoa ao poeta e médico, é também a celebração da aurea mediocritas defendida por Horácio nas suas odes. O louvor da vida simples (que, para muitos, a pandemia também veio revalorizar). Nesse sentido, o livro divide-se nas quatro aspirações do homem do Renascimento (locus amoenusbeatus illetempus fugitcarpe diem), decantadas em poemas que buscam um ideal de vida ou a integridade de cada momento. No seu reverso, também se assume a certeza de que o tempo corre imparável, sem se repetir. Aberto Todos os Dias convoca constantemente o leitor (leia-se o poema O Leitor Acaba de Virar a Página) não para uma intimidade partilhada, mas para o fazer parte da poesia, aquela que olha para as coisas banais e anónimas, na certeza de que “escrever é/ fazer existir o que antes não existia”.»

 

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TULÁK (Nómada - edição Checa)

42 poemas/ básní
(Leça da Palmeira, Venade a Torre da Medronheira, 2015-2018) 

Togga, Praga, 2022 

tradução de/ přeložila Kateřina Ritterová
direção literária de / editor Dušan Neumahr

 

 > knihu si můžete koupit zde

 

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Program rozhlas, 16.1.2023 

 

Nejlepší knihy roku 2022
João Luís Barreto GuimarãesTulák, Přel. Kateřina Ritterová, Togga, Praha, 2022

Zvídavá a jemná poezie o podstatných hodnotách existence. Útlá sbírka básní psaných volným veršem je rozdělena do šesti kapitol, označených lakonicky číslovkami od jedné do šesti. Stejným řádem a precizností se vyznačuje i autorův jazyk, aniž by to jeho veršům ubíralo na poetičnosti až hravosti. Všední drobnosti, okamžiky obyčejných dní jsou v básních zachyceny stylem zručného fotografa, na jehož záběrech se v několika výstižných detailech představí celý příběh. Pro matematiky s poetickou duší 

 

LADA WEISSOVÁiLiteratura.cz, 10.12.2022
Lékařovy básnické postřehy 

“Všední drobnosti, okamžiky obyčejných dní zachycené stylem zručného fotografa, na jehož záběrech se v několika výstižných detailech představí celý příběh: Barreto Guimarães píše zvídavou a jemnou poezii o podstatných hodnotách existence.

João Luís Barreto Guimarães je básník a lékař. Pracuje jako chirurg v nemocnici ve Vila Nova de Gaia a básně píše od studentských let, poezii také překládá. První autorskou sbírku Há Violinos na Tribo (Kmenové housle) vydal v roce 1989. Dnes má v autorském portfoliu básnických sbírek jedenáct, sbírka Tulák z roku 2018 je v tomto pořadí desátá.

Poezie a medicína nepředstavují v jeho životě oddělené světy. Naopak se navzájem prostupují, ovlivňují a doplňují. Posledním velmi konkrétním projevem této symbiózy je kurz nazvaný Úvod do poezie, který Barreto Guimarães nabízí budoucím lékařům v rámci výuky na Institutu biomedicíny Abela Salazara Univerzity v Portu. (Mimochodem i profesor a chirurg Abel Salazar, jehož jméno institut nese v názvu, byl sám osobností se širokým záběrem a výrazným přesahem do umění, v jeho případě výtvarného.)

Pro básně Barreta Guimarãese, které jsou často spíše mikropříběhy, je charakteristická úspornost, soustředěnost na jediné téma, okamžik, detail, kolem kterého se onen drobný příběh rozvine. Nenajdeme v nich sentimentální tón, spíš záblesky ironie. Ačkoliv působí nenuceně až hravě, víc než spontánní emoce jim vládne přesná logika. Ve svých čtenářích však rozhodně emoce probouzejí, protože vyprávějí o jim důvěrně známé každodenní zkušenosti. Autor svými postřehy a svou interpretací na pohled obyčejných, tuctových jevů dává všednosti (naší všednosti) hlubší smysl. Běžné situace zachycuje do slov bez příkras, otevřeně, ale s velkou dávkou uklidňující, lidské empatie. 

Tulák

Sbírka Tulák vychází ve dvojjazyčném, portugalsko-českém provedení, a v nádherné grafické úpravě.  

V básních zařazených do této sbírky putuje autorův Tulák spíš časem než prostorem. Sbírku tvoří šest částí, lapidárně pojmenovaných číslovkami od jedničky do šestky a uvedených citáty autorových oblíbených básníků. Před první kapitolou tak stojí citát z básně Jaroslava Seiferta Věneček šalvějí. Tento oddíl obsahuje některé básně s odkazy na dobu dětství. „Když jsem byl malý / stoupal jsme si zády ke stěně / a tužkou dělal vodorovnou čáru / která označovala moji výšku jak plyne / čas : věk / stoupající po zdi…“ píše se v básni Růst času. Stejně jako v těch dalších i v ní obsažený příběh zahrne delší čas, nakonec se však vrátí k původnímu postřehu v překvapivé pointě: „čas je neúplatný: ryje / ty čáry do mé tváře / za trest / jen proto, že jsem upustil od zvyku, který mu dával tvar / (že jsem přestal měřit kosti / na zdi, kde si čas ověřoval svůj / vlastní růst)“. 

V dalších kapitolách najdeme texty se vzpomínkami na mládí, jako třeba v básni Ty dubnové roky, kde i název básně je skvělým příkladem autorova úsporného vyjadřování, vtipu a schopnosti výmluvné zkratky. „Duben“ je pro určitou generaci Portugalců tím, co u českého čtenáře evokuje název „Listopad“. Duben byl měsícem portugalské karafiátové revoluce v roce 1974, zlomového okamžiku v novodobých dějinách země, a s ním spojených nadějí, začátků, mládí (a podobných klišé): „… To se musí zažít. Nemohli jsme z nich spustit oči / (ze žlábku mezi jejich ňadry) byla Revoluce / a my tak mladí…“. Ovšem zdání patosu vymizí okamžitě v následujících verších s hravou slovní hříčkou: „Ty nevinné časy / (touha buňky po buňce) / iluze politiky…“, kde je jasné, že kromě označení biologického materiálu je tu skryta i narážka na některé portugalské revolucionáře, organizované ve stranických buňkách.

Další fázi života, v tomto případě blízké autorovu věku, se věnuje báseň nazvaná výmluvně Autoportrét (v padesáti): „Přátelé mi telefonují / a stěžují si na nemoci (jak hasnou dny / všichni / ztrácejí součástky) / kdo z nás nikdy nezemřel, ať hodí / první hrst hlíny.“ A znovu mistrná úspornost výrazu, propojení s autorovou profesí lékaře, empatie a hravost, byť obalená do trochu funerálního hávu. Ale není v tom závěru snad řečeno, že zemřít někdy nemusí znamenat zemřít napořád?  

Eros a Thanatos

Jestliže platí, že Barreto Guimarães píše o každodennosti všem dobře známé, je přirozené, že jedním z jeho témat je láska. Ovšem u tohoto autora není třeba se obávat šťastných vzdechů, tepajících srdcí či romantických dostaveníček. Všechny básně „o lásce“ (a autor sám by nejspíš upřesnil, že o lásce jsou všechny jeho básně) připomínají, že „Eros a Thanatos navštěvují stejná místa“, jak výslovně stojí v básni Ponaučení. Téma lásky v Barreto Guimarãesově pojetí nabízí spíš sled otázek: „Co jiného je / láska než bolest založeného požáru? Čím to je / že ti dva / (díky dokonalé náhodě) budou chtít / zůstat spolu / přežít zklamání / (a přát si empatii) jak to, že je / možné opakovat u stejného stolu dva životy / každý den / každý z nich se svojí knihou / každý z nich se svojí barvou vína…“ až po odpověď na závěr: „Láska není nic jiného / (nevysvětlitelná chiméra) / láska si nevolí mezi dvěma / neubírá: láska / násobí.“ 

Jestliže Tulák putuje v čase, Barreto Guimarãesovy verše čas násobí, zvěčňují tím, že zachycují všední pomíjivé okamžiky a povyšují je na univerzální děje. Násobí čas už jen tím, že ukazují momenty, které by jinak uplynuly kolem nás, aniž bychom si jich všimli, a ony tím pro nás vlastně ani neexistovaly. 

Zatím poslední básnická sbírka Joãa Luise Barreta Guimarãese se jmenuje Movimento (Pohyb). V dedikaci ji autor věnuje „Všem kostem / všem svalům v těle. Každému / nejnepatrnějšímu / pohybu.“ A říká, že sbírka je oslavou života, jehož první známkou je vždycky to, že se tělo hýbe. Pohyb tu pochopitelně není redukován jen na čistě fyzický projev zmíněných kostí a svalů, ale je v básních přítomen i v abstraktnějším pojetí a v různých podobách.” 

 

Anotace:

Sbírka básní Tulák plyne přirozeně jako rozhovor, někdy úplně obyčejný, o každodenním životě, jindy milostný, chvílemi dojemný, často filozofický. Je to rozhovor o nastavení světa, o křehkosti a konečnosti života a nekonečnosti lásky. Je to rozhovor s tulákem, potulným rytířem, který cestuje světem, časem i ve svých vzpomínkách. Vede nás do dnes už opuštěného koncentračního tábora, do rozbombardovaných budov na Balkáně, ale i za pařížskými prostitutkami a do portugalských nevěstinců.

Co nutí tuláka k věčnému putování? Hledání něčeho jiného, nového, ale i touha po nalezení stability, po pochopení konečnosti. 

 

O autorovi:

João Luís Barreto Guimarães, básník, lékař a překladatel, se narodil v červnu roku 1967 v Portu. První sbírku básní, Há Violinos na Tribo (Kmenové housle), vydal v roce 1989. Dosud publikoval jedenáct básnických sbírek; zatím poslední, Movimento (Pohyb), vyšla v roce 2020, v současnosti se připravuje do tisku kniha Aberto Todos os Dias (Každý den otevřeno). Autorova poezie má v sobě analytičnost a přímočarost básníků-lékařů. K její čtivosti přispívá civilní jazyk, humanistické ladění a zaměření spíš na objektivní realitu než na subjektivní pocitovost. Přesto ale není intelektuálně odtažitá, vyznačuje se humorem, sebeironií a lyrickou obrazností. Barreto Guimarães nepřináší jen každodenní život do poezie, ale i poezii do každodenního života: v letošním roce otevřel poetický seminář pro studenty medicíny, protože co člověku pomůže lépe chápat bolest bližního než právě poezie?

 

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MEDITERAN (edição sérvia)

 


44
pesme/poemas

(Leça da Palmeira, Venade i Torre da Medronheira, 2012-2015)

Treći Trg, Beograd, 2022

prevod/tradução de Vesna Stamenković
dizajn korica/capa de Dina Radoman
urednik/ direcção literária de Uros Kotlajić


> Treci Trg gift shop


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NÓMADA (edição castelhana)

42 poemas

(Leça da Palmeira, Venade y Torre da Medronheira, 2015-2018)

 

Pré- Textos, Valencia, 2022 

traducción de José Ángel Cilleruelo
dirección literaria de Manuel Borras Arana

 

> comprar el libro aquí 

 

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LUIS BAGUÉ QUÍLEZEl País, 2.7.2022
Babelia
 - Verano

«Tras sumergirse en las aguas revueltas de Mediterráneo (2016), el nuevo poemario del portugués Barreto Guimarães permite descubrir, en edición bilingüe, la singularidad de una voz que transita de la introspección metapoética al desasosiego metafísico, de la denuncia social al friso culturalista, de la intrahistoria doméstica a la historia colectiva. El autor reivindica la dignidad del segundo puesto, explora la vida interior de los objetos cotidianos y disecciona los males de su patria con ironía socarrona. Para nómadas vocacionales.»

 

JORDI DOCEEl Mundo, 6.5.2022
Cuaderno de bitácora de realidad y deseo

«Vitalismo y reflexión son las dos claves que marcan este poemario de Barreto Guimarães, un viajero escindido 

HACER ARTE DEL HORROR Escribir poemas sobre Auschwitz corre el peligro de convertirse en una moda, pero Barreto lo hace con nota. ‘Los cuervos en Birkenau’ es un punto álgido del libro, una viñeta delicada y precisa que evoca los detalles sin que la emoción se resienta 

Muy al comienzo de este nuevo libro de João Luís Barreto Guimarães (Oporto, 1967) se afirma: «elegir es excluir/ excluir es entender/ entender es conservar». Es una muestra del tono sentencioso que atraviesa Nómada, su segundo libro publicado en España (el primero fue Mediterráneo, que Vaso Roto nos acercó en 2018), pero es también una poética y una confesión vital, la de quien vive escindido entre el deseo de mundo y la búsqueda de sentido. Pero la paradoja solo es aparente. Si la poesía importa o tiene sentido es porque al tomar un fragmento de ese mundo –esto es, al hacer el vacío a su alrededor– nos permite hacernos una idea de la totalidad. El aire de estos poemas es ligero, nervioso, como si las dos manos bailaran por turnos sobre la página. La conjunción de versos largos y breves, el uso de apartes y aclaraciones parentéticas, el ritmo veloz de las transiciones, todo crea un efecto de torbellino (en un vaso de agua) y levedad impresionista, que la traducción de José Ángel Cilleruelo recrea con soltura. Lo dice el autor mismo con un juego de palabras: «Yo erraba por el mundo y […] cuanto más erraba más/ acertado estaba». Esta actitud vitalista recorre los 42 poemas del conjunto (divididos en seis secciones de igual extensión) como una descarga eléctrica: el viaje es una constante –París, Ámsterdam, Grecia–, pero también los encuentros familiares, las escenas de interior, la reflexión de carácter moral sobre el arte… En el apartado quinto, la escritura se vuelve ácida, casi epigramática, lo que no siempre la beneficia. Gana, por el contrario, cuando hace del poema un «silencio que trabaja» y se deja guiar por su entusiasmo, su impulso celebratorio: «Sólo tengo que/ ir donde me lleva». 

 

FRANCISCO GÁLVEZDiário de Cordoba, 12.2.2022
‘Nómada’, de Barreto Guimarães- Pre-Textos publica en edición bilingüe el último poemario del escritor portugués 

João Luis Barreto Guimarães (Oporto, 1967), poeta y traductor, es también médico y profesor de poesía en ICBAS-Universidad de Oporto. Ha escrito once libros de poesía, los primeros siete reeditados en Poesía reunida (2011), seguidos de Usted está aquí (2013), traducido en Italia; Mediterráneo (2016) ha recibido el Premio Nacional de Poesía António Ramos Rosa, publicado en España, Italia, Francia, Polonia y Egipto, y Nómada (2018). En 2019 publicó la antología El tiempo avanza por sílabas, obra que también ha sido publicada en Croacia, Macedonia y Brasil, a la que sigue Movimiento(2020). Las ediciones italianas de Mediterráneo y Nómada fueron finalistas del Premio Internacional Camaiore en 2019 y 2020 respectivamente, y la traducción inglesa de Mediterráneo ganó el Willow Run Poetry Book Award 2020, en Estados Unidos. 

Nómada (Pre-Textos, 2022) publicado en primera edición en portugués en la prestigiosa editorial Quetzal (Lisboa, 2018), y reeditado en la misma en 2019, es el más reciente poemario de João Luis Barreto Guimarãespor primera vez en lengua española, en edición bilingüe y traducción del poeta José Ángel Cilleruelo. Ha sido editado también en Italia y fue Premio al Libro de Poesía del Año Bertrand 2018 y el premio Literario Armando da Silva Carvallo; la edición italiana fue finalista del Premio Internacional Camaiore en 2020. Nos encontramos ante una obra muy bien recibida por la crítica y premiada de un poeta que atiende a la realidad del tiempo presente. Conviene detenerse en lo que menciona Daniel Rodrigues, prestigioso fotógrafo: «Nómadase construye en torno a la transformación del tiempo en sustancia poética y podemos advertir tres estratos temporales que se confrontan: la vida cotidiana, el tiempo biográfico y la historia. La tensión entre los tres encarna pequeñas narrativas, rasgo que también ha sido destacado por la crítica como una característica de la obra del poeta». 

El libro se divide en seis partes señaladas con números con un total de cuarenta y dos poemas. En los seis apartados del libro abundan los que contienen la mirada de momentos cotidianos que, aparentemente, tienen la sensación de que llegan como de pronto e interrumpen el hilo, pero no, arropan y clarifican. Imágenes hechas palabras y lenguaje. Cabe señalar, en este sentido, los más distintivos.  

Así pues, en la parte UNO, el poema «Preludio» abre el libro y es como una declaración de intenciones para que el lector no espere otra cosa que esa realidad en presente de momentos y cosas ordinarias, perfectamente reconocibles por todos porque alguna vez hemos vivido. En este caso transcribo el poema completo para que se pueda apreciar dicho hacer y escritura en la totalidad de un texto: «Acarreo conmigo este día como / la suela del zapato acarrea un / chicle. El poema avanza sin miedo / (se dispone sobre el papel) / se deja escribir en negro lo / que tenía que decir / persiguiendo sin pereza lo que / aún no existe). ¿Y a qué huele el nuevo día? / Por ahora a patatas fritas / pequeño prodigio un poema: a él / le corresponde decidir si adorna / (o no) la / realidad. Porque siempre aparece alguien en busca / de imágenes exactas / (rechazando el artificio que adorna la belleza) / preguntando por la verdad que existe en / las cosas comunes». En «El crecimiento del tiempo»: «De pequeño / me apoyaba en la vertical de la casa y / con un lápiz trazaba una raya horizontal que / mostraba mi altura con el paso / del tiempo: la edad / subiendo / por la pared». La necesidad del hombre de alimentarse desde el principio de los tiempos está presente en «El pintor de Altamira»: «el pintor de Altamira imita por toda la cueva / pidiendo a dioses de piedra que se / multipliquen para / que nunca falten sombras (ni tampoco / bisontes) para cazar / y comer». Otra vertiente en «Dedos manchados de tinta» dice: «Sólo porque está en ruinas el templo de / Afrodita no quiere decir que / no exista el amor (…) las manos manchadas de sangre se lavan / más fácilmente». Ejemplos claros que van señalando o arropando según se miren, en lo que nos rodea y conforman los versos. 

DOS. «La hipótesis del gris» nos habla del centro y de los extremos, no como términos políticos, sino como medida de la vida y moderación. Los campos de concentración de la Alemania nazi en «Los cuervos de Birkenau» del renombrado Auschwitz. En «Las paredes que faltan» hace un juego entre los edificios derruidos de la guerra y los lugares de la paz, nuestras casas y viviendas, en referencia a lo que es un bien necesario y vital convertido en mercado más de consumo lucrativo que social. En «La temperatura del miedo» hace alusión al 11S: «los prisioneros del fuego en lo alto / de las Torres Gemelas». 

TRES comienza con el poema «Todos los santos», motivado por un deseo de que los jóvenes reciban de los mayores la tradición de respetar a los muertos, en referencia a la fiesta del 1 de noviembre: «muchos de los que por aquí pasaron (de paso en el pasado) ya / viven en este lugar». «Autorretrato (a los cincuenta)» configura mediante la enfermedad las muertes vividas cada día, las muertes en vida: «quien de nosotros no haya muerto que lance la primera piedra». «El olor del pasillo» los olores y sensaciones de miedo y esperanza, mientras se espera el resultado de positivo o negativo, unas de las pocas referencias de la profesión de médico del autor. En «Las aguas altas del Sena», un poema que menciona el suicidio de Celany de ese mismo río en epifanía de no querer morir. En «Letanía al azar» habla de los sin techo o pordioseros: «A nadie le interesa la mala suerte. Todos le vuelven la espalda». 

CUATRO. «Nocturno» tal vez sea el poema más singular sobre un tema clásico en literatura y poesía, el de los gatos: «Hacia las dos de la mañana el gato me lleva / a la cocina para / darme de comer. Esta noche se atrasa la hora / es esta la noche ideal para / la ilusión de los amantes (lo que suceda a esa hora / nunca / habrá sucedido)»; imaginación y confluencia de tres elementos, el gato, el cambio de hora y el amor. «Sala de espera» refleja, quizás el único texto, la profesión del poeta: «Pero / iba con retraso / la consulta». 

CINCO. «Los que quedan segundos» nos habla de los que no triunfan en una sociedad competitiva: «me gustan los que no tienen suerte los que / casi lo consiguieron/ hoy me siento uno de ellos». En «El señor López y la república», un juego entre los funcionarios públicos y la poesía: «Es sabido / que Lopes ejerce la Función Pública (cuál es en verdad la función / nunca se hizo pública». Y en «El despacho del director»: «En la sala / del director no hay nada en la pared. Sólo existe un clavo donde se puede / colgar / una imagen de Cristo o el rostro / del dictador». 

SEIS. «Vida interior»: «guardando una chaqueta de hombre a hombros de una percha (como / quien sueña que esconde un amante en el armario)». «Nómadas»: Sólo el amor detiene el tiempo sólo en él perdura el enigma / (lanzar piedras sin forma y el lago devolver círculos». En «Moraleja de la historia»: «Hay por cierto / una moral oculta en la alusión a que Eros y Thanatos / frecuenten los mismos círculos». 

Por otra parte, las referencias a nombres de dioses o personajes juegan con sentido en los textos correspondientes - Hamlet, Afrodita, Laertes, Claudio, CelanNewtonRiemannMaxwellFeynman - o de lugares: las Cuevas de Altamira, Birkenau o Auschwitz, Dinamarca, Estadio de Archaia Olympia, los Balcanes, las Torres Gemelas, Campo Santo, París, Monstmartre... y se ajustan no como nexos simplemente propiciatorios, sino más bien como contraste entre unas cosas y otras, en cualquier dirección que el poeta convenga. En este sentido, la correspondencia que se da entre los poemas «El Sr. Lopes y la república» y «El hijo del Sr. Lopes» de sucesión natural y poco cambio en las funciones públicas. 

Es la evidencia de las palabras, que propician la imagen y se hace llave que abre expresiones cercanas que forman parte de alguna verdad, total o parcial, en versos que no dan la sensación de buscar una perfección encerrada en la idea ni el tema, lejos del poema total y redondo en el que todas las palabras van en fila sin desviarse y el mismo tono de emoción. En esta poesía importa mucho más el modo de establecer abierto el tema o temas, a veces en la misma composición, sin perder el equilibrio. Mirar para ver la posible verdad que existe en las cosas comunes y en la manera de mirarlas. Henry Millernos dice: «Nuestro destino de viaje nunca es un lugar, sino una forma de ver las cosas». 

 

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